MAURO XAVIER

Sócio, comentador e cronista benfiquista. 

Diretor-Geral para a Europa Ocidental na Microsoft. 

Autor da coluna semanal Paixão Pragmática no Record. 

“Uma liga sem verdade desportiva é uma liga que deixa de fazer sentido.

A memória sobre o verdadeiro desenrolar da temporada 2021-2022 deve ser conservada religiosamente para evitar que situações como esta se voltem a repetir.”

Com o seu habitual sentido de humor misturado com uma dose de frontalidade refrescante, o Guachos faz neste livro uma verdadeira radiografia a uma liga que demonstra estar profundamente doente. 

Este livro fá-lo de forma humorística, mas a questão é séria. O futebol português precisa de ser renovado ou morrerá.

Estas são, a meu ver, as seis medidas essenciais que o Benfica tem imperativamente de tomar para garantir que a Liga da Farsa não se repete:

  • O Benfica tem urgentemente que passar das palavras aos atos. Estando longe de ter uma posição hegemónica nos principais palcos, o Benfica tem de assumir publicamente a sua oposição aos órgãos que buscam fragilizá-lo a qualquer custo. Não queremos mais newsletters nem precisamos de mais entrevistas. Está na hora de verdadeiramente dar o tão anunciado “murro na mesa”.

    Até ser tratado de forma justa, rigorosa e imparcial, o Benfica não pode acolher a Seleção Nacional no Estádio da Luz nem continuar a receber de forma institucional os dirigentes da FPF. Estes dois passos, maioritariamente simbólicos, visam sinalizar aquilo que deveria ser evidente para todos: quem desejar enlamear o bom nome do Benfica não o fará com a nossa bênção.

  • A inclusão do VAR no futebol moderno tinha um objetivo nobre em mente: reduzir o erro humano nas competições de futebol profissional através da utilização da tecnologia. Ora, aqui chegados, parece evidente que a implementação do VAR não tomou em consideração a criatividade dos atores do futebol português.

    Em Portugal, contrariamente ao seu desígnio, o VAR optou por limitar-se a legitimar o erro humano em vez de corrigi-lo. Afinal, a quem serve um VAR que anulou 4 dos últimos 6 golos marcados pelo Benfica contra o Porto, sempre com distâncias entre os 2 e os 30 cm e frames que parecem ter sido escolhidos por alguém que seguramente já venceu um dragão de ouro?

    A utilização do VAR em Portugal precisa imediatamente de uma auditoria forense independente, com a disponibilização pública da comunicação entre os árbitros no momento de tomada de decisão. Sem estas duas medidas de elementar transparência, o VAR estará sempre refém de dúvidas e críticas. Se queremos rigor no nosso futebol, temos de garantir que o VAR é aplicado de forma leal e imparcial.

  • O cenário na arbitragem nacional é atualmente dantesco. A Liga Portuguesa conta com a menor quantidade de tempo jogado entre todos os campeonatos europeus, devido às sucessivas paragens decretadas por árbitros incapazes de se impor em campo. O debate mediático sobre futebol passa horas a fio focado em arbitragens - não por desejo dos comentadores mas devido à quantidade avassaladora de polémicas que simplesmente não podem ser ignoradas.

    O mais recente selo de incompetência à arbitragem portuguesa vem do estrangeiro, através da FIFA que, pela primeira vez desde 2006, optou por excluir todos os profissionais do apito portugueses do Mundial de futebol. Seria de esperar que uma decisão tão drástica tomasse a atenção dos responsáveis da arbitragem nacional. Bem pelo contrário, mais uma vez optaram por defender a sua classe, recusando quaisquer defeitos e demonstrando mais uma vez o corporativismo bacoco que caracteriza o setor.

    Para garantir a imparcialidade da arbitragem em Portugal, o Benfica tem de exigir árbitros estrangeiros para os jogos das equipas candidatas ao título. Para além disso, exigem-se também reformas institucionais mais profundas: depois daquilo que aconteceu, a arbitragem não pode continuar sob a alçada da Federação Portuguesa de Futebol e Fontelas Gomes, Presidente do Conselho de Arbitragem, tem de ser substituído com a máxima urgência. O Benfica tem de fazer tudo ao seu alcance para que assim seja.

  • Há uma razão para o futebol ser um dos desportos mais populares. Nunca está parado. Depois de muitas melhorias nas regras do jogo e a introdução de tecnologias, a UEFA anunciou oficialmente um novo formato para Champions League já a partir de 2024, com mais jogos e maiores prémios. Perante este desafio, que surge como resposta à possibilidade de existir uma Superliga Europeia que contasse apenas com os maiores clubes do Velho Continente, os clubes portugueses têm que se reinventar para poder competir.

    O Benfica deve liderar, junto dos restantes clubes profissionais, um projeto de reformulação das competições, que deve passar pelo fim da Taça da Liga e o redesenhar do campeonato nacional. O modelo ideal para o futuro campeonato nacional passaria por ter um campeonato dividido em duas fases. Na primeira fase as 18 equipas encontrar-se-iam entre elas, realizando um total de 17 jogos, alternando entre jogar em casa e fora. Já a segunda fase do campeonato separaria as equipas em dois grupos. De um lado teríamos os oito primeiros classificados a disputar o título entre si jogando duas mãos contra cada equipa, totalizando 14 jogos na segunda fase. No total, as equipas candidatas ao título disputariam 31 jogos numa época, o que libertaria espaço precioso no calendário para as competições europeias. Do outro teríamos equipas a lutar para se manter na primeira divisão, que teriam de jogar 18 jogos na segunda fase, totalizando um total de 35 jogos por época.

    É normal sermos avessos à mudança. O atual modelo do campeonato nacional não tem sofrido grandes alterações nas últimas décadas. Mas talvez esteja na hora de confrontarmos o imobilismo que assombra o nosso futebol. Quando se é pequeno em dimensão económica, temos de ser gigantes na ambição e inovação. Este novo modelo traria jogos mais competitivos, incluindo mais jogos entre os três grandes, o que traria mais valor para clubes, jogadores e adeptos. Para além disso, a redução do calendário competitivo para as equipas que competem na Europa dar-lhes-ia mais tempo de preparação, contribuindo para termos assim equipas mais competitivas além-fronteiras. Finalmente, este modelo equivaleria necessariamente a maiores receitas televisivas já que os jogos disputados terão maior interesse competitivo para os espectadores. É responsabilidade do Benfica ser pioneiro neste processo de reformulação do quadro competitivo.

  • O futebol português tem a peculiaridade de ser um dos maiores viveiros de talento a nível mundial. Entre jovens formados localmente, que beneficiam da experiência adquirida em torneios internacionais através das seleções jovens, e a nossa capacidade de atrair talentos africanos e latino-americanos, graças às nossas amplas redes de scouting e posicionamento geo-estratégico atrativo, a qualidade dos atletas em campo está salvaguardada. No entanto, entre a falta de ambição dos nossos dirigentes e o nosso poderio económico diminuto quando comparados com países de maior escala, aparenta hoje ser quase impossível reter por mais de uma época os jogadores que despontam em território nacional.

    Numa liga em que não temos como competir em matéria de orçamentos, visibilidade ou competitividade, a via fiscal pode ser o caminho mais rápido, seguro e eficaz de inverter o cenário e colocar o futebol português no início de um círculo virtuoso. Menos impostos significa capacidade para reter e atrair melhores jogadores, melhores jogadores significam melhores equipas e melhores equipas significam melhores resultados desportivos e financeiros. 

    Como maior clube nacional, o Benfica tem de liderar junto do governo a criação de um regime fiscal excecional para os futebolistas sub-23 de qualidade acima da média. Em concreto: descer a taxa de IRS para 20% a todos os que tenham sido internacionais A nos últimos 12 meses pelas respetivas seleções. É preciso mudar a lei se queremos manter os melhores por mais anos.

  • Recentemente, alguns comentadores descobriram um suposto remédio santo que viria resolver todos os problemas do futebol português: a centralização dos direitos televisivos. Ora, a centralização, tantas vezes descrita como a salvação de campeonatos de dimensões semelhantes ao nosso não é uma solução por si só.

    Segundo um estudo de Pedro Brinca, economista e professor da Nova SBE, a quebra de receita para o Benfica será entre 10 e 25 milhões de euros por ano. Nesse mesmo estudo, defende que a centralização irá contribuir para um nivelamento por baixo do nível competitivo, diminuição da competitividade internacional e queda das receitas da Liga. Não nos podemos submeter a humilhações sucessivas e depois negociar uma centralização dos direitos desportivos, onde nos arriscamos a sacrificar receita para supostamente ajudar a « nivelar » uma liga que nos falta constantemente ao respeito.

    O mercado nacional é limitado e estável; potenciais novas receitas das transmissões dos jogos só poderão vir da internacionalização. Tem de ser o Benfica, marca mais forte e clube mais impactado pela centralização dos direitos, a liderar este processo, recusando-se a negociar com quem não reconhece o seu papel-chave. Uma coisa é certa: uma Liga da Farsa nunca deveria ser centralizada e pela minha parte tudo farei para que assim seja.